Estudo Científico

Lesões neurovasculares e luxação do joelho – Artigo de Revisão

Lesões neurovasculares e luxação do joelho – Artigo de Revisão

14/07/2017

REVISÃO DE LITERATURA

LESÃO VASCULAR E NEUROLÓGICA ASSOCIADA A LESÃO TRAUMÁTICA MULTILIGAMENTAR DO JOELHO

A luxação do joelho é o completo rompimento da integridade da articulação tibiofemoral. Subluxação é definida como o rompimento da relação articular com remanescente contato das superfícies articulares. A lesão multiligamentar do joelho compreende a lesão de dois ou mais ligamentos de um joelho que foi deslocado parcial ou totalmente.

As luxações do joelho são incomuns, constituem menos de 0,5% das luxações.  A incidência documentada observada de luxação do joelho em admissões por instituição por ano é ainda menor e varia de 1/10.000 a 1/100.000. Os mecanismos de trauma mais comuns são os de alta energia como colisão de veículos motorizados e acidentes industriais (SeroyerS. T. et al. 2007) e 40% com trauma de baixa energia como quedas e entorses com a prática de esportes de contato (Sillanpaa. et al. 2014).

Não há protocolo uniforme de tratamento estabelecido para a luxação aguda do joelho. O principal objetivo do tratamento de uma luxação aguda do joelho é reconhecer a gravidade das lesões, incluindo ligamentos afetados e estruturas neurovasculares, as quais requerem intervenção cirúrgica de urgência. O diagnóstico da luxação do joelho, em alguns casos, pode ser desafiador, porque é frequente a imediata redução espontânea da articulação fêmoro-tibial ,  a gravidade das lesões ligamentares pode ser subestimada,  e a luxação do joelho pode ser subdiagnosticada como uma lesão isolada de um dos ligamento cruzado do joelho (Sillanpaa P. J. et al. 2014).

A incidência de lesão vascular associada com lesão dos ligamentos cruzados do joelho está entre 16% e 64% com média estimada de 30% segundo Hegyeset et al. Essa incidência pode ser explicada pela anatomia da artéria poplítea, a qual é fixada entre ambas extremidades – no hiato dos adutores (canal de Hunter’s) acima, e pelo arco do músculo sóleo abaixo – de modo que movimentos de alta energia, tais como trauma, expõem essa artéria ao perigo devido seu movimento restrito (Boisrenoult P. et al. 2009).

Os resultados da luxação de joelho associada a lesão da artéria poplítea são geralmente graves. Green e Allen relataram que a taxa de amputação foi de 11% se o reparo da lesão vascular é realizado antes de 8h do inicio da isquemia, após 8h de isquemia do membro esta taxa eleva-se  progressivamente, podendo chegar a  86%.  As razões para o atraso no diagnóstico da lesão arterial é a presença, em alguns casos, de sinais de perfusão do membro, como pulsos distais e manutenção da perfusão capilar (Lang NW. et al. 2015). Embora o prolongado tempo de isquemia seja positivamente correlacionado com um aumento do risco de amputação, aumentando em duas vezes o índice MESS (Mangled Extremity Severety Score) com tempo de isquemia > 6h, este critério torna-se não confiável em pacientes que possuem significativas artérias geniculares colaterais, as quais proporcionam fluxo sanguíneo distal a despeito da completa oclusão da artéria poplítea (Anahita Dua et al. 2013).

Exame físico vascular acurado é essencial para estabelecer a viabilidade do membro. Sinais fortes de injuria vascular são ausência de pulsos distais, sangramento ativo, isquemia distal, hematoma expansivo em região poplítea. As presenças de um desses sinais denotam alerta de lesão vascular e é mandatório exploração cirúrgica por cirurgião vascular. Palpação manual dos pulsos distais pós-redução para excluir lesão arterial continua uma questão controversa, com relatos de pulso normal pós-redução a despeito de significativa lesão arterial. A circulação colateral em torno do joelho pode manter os pulsos distais presentes até que o edema dos tecidos moles diminua o fluxo sanguíneo periférico, iniciando, desta forma o processo de isquemia da extremidade. Se a lesão vascular é detectada por exame físico ou angiografia a intervenção cirúrgica deve ser realizada por um cirurgião vascular e um fixador externo é aplicado para proteção do reparo vascular (SeroyerS. T. et al. 2007).

Osmar Medina et al.(2014) em revisão sistemática sobre lesão vascular e nervosa após luxação do joelho encontrou uma frequência  de lesão nervosa  de 25% (75 de 272 pacientes; IC 95%, 13,9%-35,7%; I²=0,4%). O nervo mais acometido é o nervo fibular comum, ramo do nervo ciático e localizado obliquamente lateral a fossa poplítea, contornando o colo da fíbula. Apesar de não caracterizar uma emergência cirúrgica, a lesão do nervo fibular compromete a doso-flexão do pé, levando a queda do pé e prejuízo da marcha. Nesta revisão sistemátoca a taxa de amputação foi de 12% (95% CI, 4,8%-19,3%; I²=0,0%). A maioria das amputações (73%, 16 de 22) foram realizadas devido infecção ou subsequente isquemia por falha do reparo vascular, enquanto que as demais amputações foram realizadas no momento da apresentação por isquemia prolongada ou por completa rotura neurovascular. A rotura completa neurovascular inclui a lesão da artéria e veia poplítea e a lesão do nervo tibial.

Quadro 1. Alterações Observadas nas Lesões dos nervos tibial  e fibular

Nervo Musculos inervados Função

Prejudicada

Sensibilidade Alterações autonômicas Alterações típicas
Fibular Tibial anterior, extensores longo do hálux e dos dedos, músculos intrínsecosdos pés Eversão e flexão dorsal do pé Região lateral da perna e dorso do pé Pé caido
Tibial Gastrocnêmio e sóleo, tibial posterior, flexor longo dos dedos, músculos intrínsecos dos pés Flexão plantar do pé, abdução do pé, flexão e separação dos dedos do pé Região dorsal da perna, lateral e plantar do pé Causalgia, alterações tróficas e vasomotora dos pés Ulceras tróficas

Segundo Senefonte et al.(2012) é imperioso considerar o máximo de fatores na decisão de salvar o membro, haja vista que tentativas prolongadas de salvamento de extremidade com lesão  grave e complexa pode ser prejudiciais aos doentes, principalmente se todos os esforços terminarem na amputação.  Lesões combinadas podem inferir no prognóstico de salvamento do membro, dentre elas, pode-se citar as fraturas múltiplas, transecção do nervo tibial ou ciático, isquemia prolongada (>6-12h), lesão arterial infra-patelar, fasciotomia tardia. Nestes casos serviços norte-americanos têm demonstrado mais benefícios em relação a custos tanto hospitalares quanto em reabilitação e tempo de afastamento do trabalho, além de menores taxas de complicações, com uma postura agressiva como a amputação inicial ou primária corretamente indicada.

Contudo nos Estados Unidos, os pacientes têm melhores condições socioeconômicas para acesso a tecnologias avançadas no quesito de próteses para membros residuais, ao contrário do Brasil, onde a maioria dos usuários do SUS tem acesso restrito a próteses e reabilitação, que em alguns casos tem sua qualidade insatisfatória (Senefonte et al. 2012).

Com base na revisão da literatura, constata-se que a luxação do joelho com lesão completa das estruturas neurovasculares da fossa poplítea é uma lesão extremamente grave e rara. Existe fundamento na literatura para a realização da amputação primária. No Brasil, no entanto, não há consenso sobre a indicação absoluta de amputação primária após luxação do joelho com lesão da artéria e veia poplítea e rotura do nervo tibial. O salvamento do membro é um processo longo, que exige uma equipe multidisciplinar e é imprescindível que o paciente seja capaz de compreender as limitações do tratamento. A compreensão do paciente, auxiliado pelo médico assistente é fundamental para considerar os custos x benefícios da preservação ou amputação do membro, nos casos mais graves.

REFERÊNCIAS:

Seroyer S T, Musahl V, Harner CD. Manegement of the acute dislocation: the Pittsburg experience. Injury, Int.J.  CareInjured 2008, 39,710-718

Hegyes MS, Richardson MW, Miller MD. Knee dislocation. Complication of non-operative and operative management. Clin Sport Med 2000; 19:59-477

Boisrenoult P., Lustig S., Bonneviale P.. Vascular lesions associated with bicruciate and knee dislocation ligamentous injury. Orthopaedics and Traumatology: Surgery and Research 2009; 95, 621-626

Sillanpaa P. J.,Kannus P., Niemi S. T. Incidence of knee dislocation and concomtant vascular injury requiring surgery: A nationwide study. J Trauma Acute Care Surg, volume 76, Number3

Green NE, Allen JW. Vascular  injuries associated with dislocation of the knee. J Bone Joint Surg Am 1977;59:236-9.

Lang WL, Joest JB, Platzer P. Characteristics and clinical outcome in patients after poplitea lartery injury. J Vascular Surgery2015;61:1495-500.

Anahita Dua, Desai SS, Shah JO, Lasky RE, Outcomes predictors of limb salvage in traumatic popliteal injuy.  Ann Vasc Surg 2014; 28:108-114.

Omar Medina BS, Gabriel A, Arom BS, Michael GY. Vascular and nerve injury after knee dislocation. ClinOrthopRelat Res 2014; 472:2621-2629.

Senefonte FRA, Santa Rosa GRP, Comparin ML, Covre MR. Amputação primária no trauma: perfil de um hospital da região cento-oeste